Terça-feira, 11 de Maio de 2004

crítica: kill bill vols. 1 e 2

a noiva

um filme de quentin tarantino
com uma thurman, david carradine, michael madsen, lucy liu, sonny chiba e gordon liu
estados unidos, 2003/4 imdb

muito se tem dito sobre as abismais diferenças entre os dois volumes de kill bill, mas tudo se condensa numa equação muito simples: o primeiro é filmado em plano geral; o segundo é filmado em grande plano. quentin tarantino tem tanto de movie geek quanto de académico e conhece os códigos de cada género tão bem como as letras do seu apelido.

no vol. 1 predomina a acção, no vol. 2 a emoção. um privilegia os golpes da hattori hanzo, o outro a profundidade do olhar. o primeiro é um filme estilizado à imagem dos flicks de hong kong, o segundo afina o tom pelos western spaghetti de leone e corbucci. a forma precede a matéria e por aí fora...

o curioso é que, consciente ou inconscientemente, tarantino seguiu com rigor esta lógica filosófica. o vol. 1 é um belíssimo exercício formal deixado em aberto para ser preenchido pela matéria que lhe daria significado quando, seis meses depois, estreasse o vol. 2. uma vez consumada esta união, cada um dos volumes ganha um significado maior – o que lhes valida uma existência individual -, mas, mais relevante, o todo transcende o simples somatório das partes. por outras palavras, kill bill parece ter envelhecido trinta anos transformando-se num vintage há muito guardado na memória.

depois de a noiva ter despachado vernita green e o-ren ishii, é a vez de ajustar contas com budd e elle driver. a violência deixou de ser estilizada e passou a ser brutal, não só de um ponto de vista físico, mas também psicológico. para isso contribui o aprofundamento das personagens; já não estamos perante figuras vazias e somos agora confrontados com a bagagem emocional de cada personagem. percebemos as suas motivações, identificamo-nos e preocupamo-nos com elas. já não somos espectadores distantes, somos cúmplices de tudo o que acontece no filme.

kill bill é um filme de maus e vilões, mas a mestria de tarantino dá-nos a volta e todos nos parecem bons. até a frieza de elle driver merece a nossa admiração. as acções do próprio bill, odiado daqui ao japão, quase que são desculpáveis depois de percebidas as suas motivações... ou se calhar não... seja como for, não conseguimos fugir ao bichinho da ambiguidade. o momento do duelo final entre a noiva e bill é um elogio à dignidade e ao respeito mútuo destas duas personagens e um momento inesquecível de cinema. tarantino volta a superar as expectativas e consegue tornar aquilo que todos já sabíamos ir acontecer em algo surpreendente.

para quem há seis meses se queixou da falta dos característicos diálogos, descansem, tarantino volta a pôr texto sumarento na boca das suas personagens. para quem se queixou que o vol. 1 – bem como qualquer filme anterior de quentin tarantino – era uma colagem de referências cinematográficas, lamento ser portador de más notícias, mas, nessa visão redutora das coisas, o vol. 2 também é. na minha visão das coisas, kill bill é uma celebração de amor pelo cinema, destilando o melhor de cada género, remasterizando esses elementos e atribuindo-lhes uma dimensão mítica.

considerei o vol. 1 o melhor filme de 2003. agora, não só esse filme enriqueceu, como considero o vol. 2 ainda melhor… quer isto dizer que o vol. 2 terá, com toda a certeza, lugar entre os melhores de 2004. não é ainda altura de arriscar uma posição num top 5, mas uma coisa vos digo: se este ano estrearem quatro filmes melhores que o vol. 2, então, teremos o melhor ano de cinema das últimas décadas.

(8/10)
marco

publicado por jorge às 01:13
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